Versos ao Vento #2 | Insonia
Chego em casa da academia cansado, foi uma noite interessante, exausto, abro a porta, fecho, acendo a luz da sala, sento no sofá, tiro meus tênis, sento, janto, tomo banho, escovo os dentes, vou parar o quarto, apago as luzes, deito, pego o meu coberto e, pronto parar dormir, fecho os olhos.
Tudo de repente fica escuro, mas não por completo, essa escuridão é permeada por visões, miragens, projeções de pensamentos desconexos em um fluxo interminável, concentro-me em minha respiração, busco relaxar o meu corpo, uma tranquilidade em meio ao caos, mas os pensamentos continuam lá, turbulentos, não os deixo me controlar, mas também não posso controlá-los.
Por vezes, o sono é algo que vem espontaneamente, sem que precisemos esperar ou forçar a barra, simplesmente deitamos e dormimos, porém em outras, mesmo com a exaustão fica e também mental, é difícil desligar, a mente está em uma velocidade tão acelerada que é difícil distinguir exatamente o que se passa, em meio a essa tempestade, entre as voltas que o mundo dá e as voltas que dou em meu colchão, decido de vez levantar.
Uma série de ações e reações que me trouxeram até aqui e agora, nesse exato momento, que quando alguém ler, já será passado, decido escrever um pouco, não apenas refletir sobre questões demasiadamente irrelevantes (ou não), porém expressar de alguma forma esse turbilhão, canalizar pela escrita.
O tempo me soa - na maioria das vezes - não relativo, mas ilusório, a sensação de percorrer dias, semanas, meses, como se não fosse algo linear, porém cíclico, não um eterno retorno, mas uma eterna repetição que chamamos rotina.
Porém, pior do que estar em movimento é não estar, afinal, é impossível ser estático e fixo em uma vida contínua e impermanente, o velho axioma de que nunca estamos satisfeitos com nada, "a ânsia de ter, o tédio de possuir", então, o que resta além se sentar e escrever como faço agora?
Esse é o ponto, o ponto chave e o ponto de equilíbrio, o aqui e o agora, nem ontem, nem amanhã, ou ilusões como o tempo, apenas o real. E, de qualquer forma, me sinto mais confortável durante a noite, quando os veículos cessam de zanzar pelas ruas, as pessoas se recolhem em suas casas, e o silêncio predomina juntamente com o frio e o escuro noturno, propício para a manifestação de ideias, tal como a criação, dar uma forma para as mesmas, pelo meio que melhor convir, sem limitações, apenas inspirações, fantasmas, permeando o ambiente em uma fantasia noturna, entre o pensamento e a ação.
Não é nada saudável virar noites, mas o que mais é possível fazer, a luz do dia tem o seu que de entusiasmo, uma vibração diferente na qual as interações e experiências se dão de uma forma diferente, a noite é mais propícia à solitude e a seletividade, aproveitar com poucas pessoas ou desfrutando de sua própria companhia, eu diria em curtas palavras que a noite é uma atmosfera na qual me sinto em casa, quem costuma dormir depois das 03:00h pode compreender melhor do que estou falando.
Como diria Nietzsche, além do bem e do mal, ao deitar para tentar dormir e acabar por não conseguir, quase me frustro, porém, acordado, tenho a liberdade para criar o que a minha mente concebe, seja através de palavras ou dos recursos que estiver ao meu dispor, nunca saberemos como tudo se interliga nesse caos de possibilidades, a única certeza é a incerteza enquanto a noite corre.
Uma festa silenciosa, onde tudo se torna possível nos domínios da mente, a insônia se torna um portal para justamente esse caos (de possibilidades).
De onde estou consigo imaginar a rua, o quarteirão, o bairro, a cidade, o movimento diminui, mas não cessa, ainda sinto a tudo pulsante, até com uma certa intensidade a mais, a música ressoando em meus fones complementam a cena, em meio a um momento entre eu e eu, onde somos um só, sem a necessidade de mais ninguém, apenas do presente, sem necessidade de festas, me torno a festa, sem necessidade de ideias, me torno a ideia, e principalmente, sem a necessidade de algo a mais, pois sempre haverá espaço para ser mais, logo eu sou, e ponto, até amanhecer, quando o dia continua, ele não "nasce", na verdade a terra gira, nesse bailar com a insônia a noite vira dia, afinal, depois das zero horas, o dia se faz presente, uma luz na escuridão.
Por: David Alves Mendes | Mortalha Cult
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