Stephen King e o medo como uma análise social

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Stephen King é reconhecido como o grande nome do terror contemporâneo. Suas narrativas assustadoras têm habitado a mente de leitores e telespectadores por anos. Contudo, por trás de criaturas, palhaços homicidas e cidades enfeitiçadas, existe algo ainda mais intimidador — e verdadeiro: a crítica social.

Stephen King nunca escreveu somente para causar medo. Ele escreve para instigar, provocar e muitas vezes, revelar as fissuras de uma sociedade que prefere não enfrentar seus próprios demônios. 

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O horror que mora ao lado

Ao contrário de escritores que escolhem o sobrenatural distante, Stephen King opta por situar o terror dentro da realidade, nas casas, nos quintais, nas escolas e nas periferias, ambientes que remetem ao nosso cotidiano. 

Em O Iluminado, por exemplo, a narrativa não se resume a um hotel fantasma, mas explora um homem em desespero devido ao alcoolismo, à frustração e à violência no lar. Jack Torrance não é apenas uma vítima das forças malignas do Overlook Hotel, ele também representa milhares de pais que ocultam seus monstros por trás de portas fechadas. 

Além do fato de que, quando escreveu O Iluminado, o próprio autor estava passando por intensos problemas com álcool e drogas, o mesmo retrata isso em seu livro Sobre a Escrita: Um Livro de Memórias do Ofício, de certa forma, Stephen King se projetou no personagem Jack Torrance como uma forma de retratar o seu estado mental caótico, do qual, com esforço e dedicação, conseguiu se livrar, como o mesmo retrata em suas palavras.


Essa é uma das grandes habilidades de King: empregar o terror como um amplificador para questões reais. Seus personagens são imperfeitos e, muitas vezes, são vítimas de um sistema que os havia condenado muito antes de qualquer manifestação sobrenatural.



It e o medo que acompanhamos ao longo da vida
 

IT - A Coisa, personagem também conhecido como Pennywise
 

It: A Coisa é um dos melhores exemplos de como King combina o grotesco com a vida comum. De fato, há o palhaço Pennywise, que representa o medo da infância, mas ele é apenas a superfície de temores muito mais profundos. A cidade de Derry é um local onde o mal se alimenta porque os habitantes se negam a reconhecê-lo. Racismo, violência, abuso infantil e homofobia estão todos ocultos sob uma aparente normalidade doentia. Pennywise só existe porque Derry permite sua presença.

King demonstra, de forma precisa, como a sociedade colabora com as atrocidades que afirma repudiar. O monstro pode ter dentes afiados, mas a indiferença das pessoas é sempre mais mortal.

 

 

Miséria, fama e poder

Em Misery, a análise se concentra na obsessão gerada pela cultura do consumo e no papel opressivo que os fãs exercem sobre os criadores. Annie Wilkes, a “maior admiradora”, mais aterrorizante do que qualquer espectro, pois simboliza a adoração à celebridade levada ao extremo. 

Ela deseja dominar o autor, moldar a história, obrigar a finais felizes. A mensagem aqui é evidente: o público frequentemente anseia por arte que não envolva sofrimento, riscos ou verdades. E isso destrói a literatura tanto quanto qualquer ferramenta.


Torre Negra e a decadência do mundo moderno

Na série A Torre Negra, Stephen King desenvolve uma obra monumental que combina fantasia, faroeste, ficção científica e, evidentemente, terror. Porém, no fundo, a narrativa é um cenário caótico que aborda a desintegração do universo — a queda da civilização, da ética e da própria realidade. 

 Se trata de uma crítica para com o modo que a humanidade destrói tudo à sua volta, como a natureza, as suas relações sociais e até mesmo a própria sanidade. Também é uma introspecção sobre dependência, traumas e a incessante busca por propósito em um mundo que pouco a pouco vai desmoronando.


O terror como reflexo

Mortalha Cult, o terror como um reflexo, enfoque nas obras de Stephen King
Stephen King compreende algo que muitos ainda não percebem: o terror não é apenas uma forma de diversão, mas também uma forma de desvendar. O medo tem a capacidade de expor o que está oculto, aquilo que tentamos ignorar. Suas histórias não só nos deixam apavorados, mas também nos forçam a confrontar nossas imperfeições, preconceitos e inseguranças.

Durante sua trajetória, King manifestou-se contra a guerra, regimes autoritários, fanatismos religiosos e desigualdade social. Seus romances funcionam como faróis em passagens escuras, revelando áreas que preferimos evitar. E por isso seu terror se torna tão poderoso — porque, no fundo, entendemos que o verdadeiro vilão pode estar refletido no espelho. 

 

Por: David Alves Mendes 

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